Mulher precisa perceber as barreiras no mercado de trabalho e não ter medo de se colocar, diz economista-chefe da XP

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Por Karina Trevizan e Taís Laporta, G1

 


Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos — Foto: Marcelo Brandt/G1

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos — Foto: Marcelo Brandt/G1

Entre escolher cursar economia na faculdade e chegar ao posto de economista-chefe em uma grande instituição financeira, Zeina Latif, da XP Investimentos, conta que as “coisas iam acontecendo”, sem que ela soubesse desde o início aonde ela iria chegar.

Zeina escolheu uma área predominantemente masculina e construiu sua carreira no mercado financeiro. Mestre e doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP), ela foi economista sênior para América Latina do Royal Bank of Scotland (RBS), economista-chefe do ING no Brasil, com passagens pelos bancos Real e HSBC, economista sênior da consultoria Tendências e professora do Ibmec.

Em 2006, recebeu da Revista Forbes o prêmio Mulheres mais Influentes do Brasil, na categoria Economia e, em 2008, o prêmio de Melhor Economista-Chefe pela Ordem dos Economistas do Brasil. Também é mãe, há 16 anos.

Diversidade no mercado dá trabalho, mas é benéfica, diz Zeina Latif, da XP Investimentos

Zeina reconhece que existe, sim, um preconceito contra as mulheres no mercado de trabalho – tanto explícito quando o velado, sendo que o segundo a preocupa mais. A solução para esse problema, em sua visão, passa pela própria postura das mulheres no ambiente profissional em relação à construção da autoconfiança.

“Eu vou entender a mulher que não quer ter o cargo de chefia, mas eu não vou aceitar a mulher que gostaria mas acha que não vale a pena ir atrás porque não vai conseguir. Isso que não pode acontecer. E a minha suspeita é que isso acontece”, diz a economista.

A entrevista faz parte da série Mulheres na Liderança, que o G1 publica com executivas de destaque.

Como foi o começo da sua carreira e de que maneira ser mulher influenciou esse período?

A primeira decisão foi de fazer faculdade de economia, que já é uma faculdade com predominância masculina. 30% são mulheres. Bom, eu sabia que eu não queria seguir carreira acadêmica, isso era uma coisa muito clara para mim. Mas eu percebi que não dava apenas para ter o curso de graduação. Eu fiz meu mestrado, depois eu fiz meu doutorado. Usei todo o tempo possível e impossível. Eu não imaginava, eu não sabia o que seria exatamente a minha carreira. Eu só sabia que eu gostava do que fazia. Então, as coisas iam acontecendo.

Como era para você a ideia de entrar para o mercado financeiro, de maioria masculina?

O mercado financeiro é onde se absorve a maioria desses profissionais. Hoje, talvez um pouco menos. Mas era grande gerador de vagas. Num primeiro momento, me assustava a ideia de vir para o mercado financeiro porque passava a imagem de um lugar muito agressivo. Mas na hora em que foram surgindo as oportunidades eu fui abraçando e, enfim, fiz a minha carreira no mercado financeiro. Bom, continua sendo um ambiente bastante masculino. Hoje, felizmente, eu vejo muitas mulheres economistas em importantes casas. Mas ainda é a minoria. Em parte, pelo próprio menor interesse das mulheres por esse mundo de finanças.

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos — Foto: Marcelo Brandt/G1Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos — Foto: Marcelo Brandt/G1

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos — Foto: Marcelo Brandt/G1

A que você acha que se deve a menor presença das mulheres nesses ambientes?

Eu acho que tem uma parte que é cultural, que é o erro nosso na forma em que nós criamos as meninas. Fica um pouco nas meninas a noção de que nós não somos boas de matemática. E isso é muito ruim. É um equívoco.

Que diferenças você vê na atuação dos homens e das mulheres no mercado financeiro?

Mulher é diferente de homem, e assim que é bom. Porque é isso que dá diversidade. Mas eu percebo que as mulheres, na vida profissional, precisam melhorar sua autoestima. Eu vejo que as mulheres geralmente são mais discretas que os homens. Os homens têm uma maior facilidade de se vender. As mulheres são aquelas que trabalham mais caladas. E isso nem sempre é valorizado nas instituições. Então a provocação que eu costumo fazer é a seguinte: os RHs das empresas precisam estar atentos já na seleção, perceber que aquele perfil mais discreto de uma mulher não quer dizer falta de capacidade. Apenas uma diferença. Eu percebo nas empresas, de uma forma geral, grandes talentos femininos que são pouco valorizados. Outra coisa que eu acho que atrapalha a carreira feminina é que a gente ainda tem um viés daquela coisa da família, e isso atrapalha o networking. Geralmente os homens vão fazer seus happy hours e nessas conversas você fortalece vínculos de confiança. O que faz uma mulher? O que eu faço? Eu vou para a minha casa. Eu já fiquei o dia inteiro na rua, eu preciso cuidar do meu filho. Se uma mulher falar para o marido: ‘olha, você hoje fica com os nossos filhos porque eu vou num happy hour com uns rapazes tomar uma cerveja.’ Quantos homens aceitam isso? E isso limita o networking feminino e isso limita o crescimento na carreira.

Você acha que esse menor espaço de crescimento para as mulheres prejudica as próprias empresas?

Os dados ainda não são muito claros, mas vão surgindo sinais aqui e ali de pesquisas já acadêmicas dizendo que de fato a diversidade é boa para a empresa. Porque são olhares diferentes. A mulher tem um olhar diferente do homem. É radicalmente? Não sei, mas é diferente. Isso vale para negros, vale para homossexuais. A diversidade traz ganhos para uma instituição. Claro que, muitas vezes, gerar consensos de ideias diante de múltiplas opções pode dar mais trabalho. Mas eu acho que é um ponto em que a gente precisa avançar. E aqui, veja, não estou fazendo nenhum juízo moral, dizendo ‘ah, porque coitadinho’. Eu estou falando de produtividade, de as empresas maximizarem seus resultados e a dinâmica interna ao valorizar os diferentes grupos, inclusive os grupos femininos.

Como você vê a questão da maternidade e seus efeitos sobre a vida profissional da mulher?

Não é à toa que as mulheres hoje têm menos filhos. Porque ficou muito claro que a maternidade limita o crescimento profissional. O que os dados mostram é que as mulheres na faixa mais elevada de renda estão tendo em média um filho só.

Existe um discurso da ‘supermulher’, capaz de lidar com tudo ao mesmo tempo, de ser uma ótima líder e ao mesmo tempo uma ótima mãe. Como você vê isso?

Olha, vou ser bem sincera, eu não acho que por você estar no seu trabalho, se dedicando àquilo, está deixando de ser uma boa mãe. O que eu acho ruim é a divisão. Agora acho, de novo, que as empresas não podem também fechar os olhos para esse fato. A mulher teve a licença maternidade, quando ela volta ainda está amamentando. Eu lembro da fase que eu estava amamentando, era um inferno a minha vida. Porque eu queria poder amamentar o meu filho no trabalho. Queria que tivesse um lugar ali que eu pudesse deixar meu filho, que eu pudesse amamentar. Não tem. Aí você tem que montar toda uma estrutura, fazer ordenha, guardar o leite para a babá cuidar. Aí você já está estressada com o trabalho, vai fazer a ordenha e não sai o leite porque você está estressada. Depois, não é só a amamentação, mas tem todo o cuidado que um bebê ainda precisa. Então, é olhar com uma certa generosidade. Porque, por outro lado, depois essa mulher, quando cumpre essa etapa, volta muito mais forte. A maternidade traz uma força para a gente inacreditável.

A maternidade então pode até ajudar no aperfeiçoamento da mulher como profissional?

Eu acho que ajuda a gente de uma forma geral. A maternidade provoca a mulher. Você se sente uma leoa. Então por isso que eu acho que precisa ter o olhar generoso, menos preconceituoso nas empresas em relação a isso. Dar mais tranquilidade para as mulheres, ter horários flexíveis pelo menos nessa fase mais crítica. Mas eu acho que esse é um caminho sendo trilhado. Eu sou mãe há muito tempo. Meu filho tem 16 anos. Imagino que as novas mães devem estar encontrando um ambiente mais favorável.

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos — Foto: Marcelo Brandt/G1Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos — Foto: Marcelo Brandt/G1

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos — Foto: Marcelo Brandt/G1

Olhando para o passado e comparando, você acha que melhorou a situação da mulher?

As mulheres hoje estão muito mais combativas. Essa ideia de que ‘a gente quer tratamento igual, reconhecimento igual’. Eu vejo isso mais fortes nas atuais gerações do que na minha geração. Às vezes até exagerado, meio fora de lugar. Mas isso, óbvio, da minha ótica. Mas eu acho que tem uma visão hoje mais crítica. A minha geração é aquela que olhava, percebia que era difícil, você sentia o preconceito no trabalho – porque tem –, mas você fica quieta e toca a vida. Agora eu percebo uma postura um pouco mais: ‘não, por que é assim?’. A mulher hoje questiona mais, e é importante.

Como a mulher deveria agir para ser tratada da mesma forma que o homem no trabalho?

Ah, que pergunta difícil. Mas eu vejo muitos talentos femininos desperdiçados que poderiam estar em cargos de chefia. Que eu olho o chefe e olho a subordinada e falo: ‘ela tinha que ser chefe’.

Você acha que é uma questão de marketing pessoal também?

Total. Entra tudo: a questão da autoestima, o fato de a mulher ser mais discreta, não se coloca tanto, o networking, círculo de relacionamentos. É um pacotão.

E essa questão do preconceito que você falou: ele existe mesmo?

Tem aquele que é o preconceito que chega a ser caricaturesco. De comentário que você ouve e fala: ‘han? Eu ouvi mesmo isso?’. Por incrível que pareça, esse me preocupa menos. Me preocupa mais aquele velado. Em que você percebe que tem dificuldade de avançar, e ele não está explícito. Então você nem consegue entender onde está a barreira. Esse é o mais perigoso. As novas gerações se incomodam mais com comentário indevido, com a cantada. Eu não ligo para isso. Isso para mim é a ponta do iceberg. Me preocupa aquela coisa mais forte. Aquela mulher que quer crescer e não é ouvida. Esse é mais perigoso. A cantada, a coisa desrespeitosa, isso a mulher sabe resolver. Se não sabe, vai rapidamente aprender. Mas essa coisa velada, essa me preocupa mais e isso está muito forte ainda nas empresas.

Você tem algum conselho para dar para as jovens aspirantes a entrar na área financeira?

Primeiro, capricha na sua qualificação. E eu acho que é um exercício de autoconfiança que a mulher precisa fazer. Não ter medo de se colocar. E conversar, e procurar fazer o seu networking também, estar mais aberta a esse universo. A mulher precisa perceber a barreira e falar: ‘eu vou avançar. Eu posso ser a chefe da área’. E se colocar como tal. Eu acho as mulheres ainda – e falo até pensando nos meus erros, na minha carreira – eu acho que a gente não tem essa postura. Eu acho que a gente é muito contida. Tem sim coisas que são culturais, mas que a gente precisa superar. Eu vou entender a mulher que não quer ter o cargo de chefia, mas eu não vou aceitar a mulher que gostaria mas acha que não vale a pena ir atrás porque não vai conseguir. Isso que não pode acontecer. E a minha suspeita é que isso acontece.

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