Mulheres na Liderança: as barreiras que ainda prejudicam a ascensão feminina no mercado de trabalho

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Por Taís Laporta, G1

 

No Brasil, três em cada 10 pessoas dizem que sentiriam incômodo em serem chefiadas por uma mulher, segundo pesquisa da Ipsos; questão é cultural, dizem especialistas

 

Quando foi promovida a diretora regional da multinacional onde trabalha, Cecília Belele teve um desafio árduo pela frente. Ela sentia que teria que se esforçar bastante para ter o mesmo reconhecimento que seus subordinados depositavam no antigo chefe.

“Precisei ficar muito próxima das pessoas para conquistar a confiança delas e fazer mudanças que levassem ao crescimento individual de cada um”, conta. Isso foi em 2016, num momento em que a empresa, a consultoria multinacional Return Path, passava por transformações.

Hoje, aos 47 anos, ela comanda um time de 22 pessoas, das quais 9 são homens – e conta que conseguiu superar essa barreira, depois de muito trabalho.

O G1 publica esta semana a série “Mulheres na Liderança”, que traz entrevistas com executivas brasileiras sobre as barreiras à ascensão na carreira e como elas podem ser superadas.

O percurso que levou a executiva ao cargo de chefia foi natural. “À medida que adquiri experiência e acumulava mais responsabilidades, as promoções aconteciam.”

Cecília diz que, quando passam a ocupar cargos de liderança, as mulheres precisam fazer um esforço grande para obter o respeito da equipe. Em sua visão, isso afeta inclusive o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.

Resistência à liderança feminina

Três em cada 10 pessoas no Brasil (27%) admitem que se sentem desconfortáveis em ter uma mulher como chefe, mostram dados da pesquisa “Atitudes Globais pela Igualdade de Gênero” (em tradução livre do inglês), publicada neste ano pela Ipsos.

A resistência a mulheres líderes é maior entre os homens, alcançando 31% deles – enquanto 24% das trabalhadoras no Brasil pensam da mesma forma sobre serem lideradas por alguém do mesmo sexo.

Esse percentual no Brasil se iguala ao de países como Índia, Coreia do Sul e Malásia, lugares onde a aversão à liderança feminina é bem maior que a média mundial, de 17%, segundo estudo da Ipsos.

“Existe um viés inconsciente que leva as pessoas a sentirem esse incômodo, do qual elas nem se dão conta, e acabam tomando decisões que dificultam a evolução das mulheres na carreira”, diz a gerente de desenvolvimento de talentos e diversidade da consultoria LHH, Mara Turolla.

A diretora de inovação, marketing e novos negócios da Grant Thornton, Carolina de Oliveira, acredita que, apesar de ainda existir, a resistência a líderes femininas tem diminuído e está mais restrita a empresas que mantêm uma cultura mais tradicional e que não adotam práticas de diversidade.

“Companhias que são mais fechadas a questões de inclusão costumam ter um grau maior de resistência interna à ascensão das mulheres”, explica Carolina.

Para Mara, da LHH, a questão cultural tem um peso muito forte nessa resistência. Os subordinados fazem diferentes leituras do comportamento de homens e mulheres que ocupam posições de liderança, diz ela.

“Uma mulher mais autoritária e assertiva é vista como mandona, enquanto um homem com as mesmas características é admirado e visto como líder natural.”

Segundo Mara, quando as mulheres são promovidas, chegam ao cargo com uma remuneração bem inferior à dos homens e isso já influencia a autoestima. “O argumento para essa diferença não é falta de preparo. Elas são mais qualificadas que os homens em nível acadêmico”, diz.

Lenta evolução

No Brasil, o percentual de empresas com pelo menos uma mulher em cargos de liderança é de 93% em 2019, um salto considerável em relação aos 61% no ano passado, segundo a última edição da International Business Report (IBR) – Women in Business 2019, pesquisa da Grant Thornton com mais de 4,5 mil empresários no mundo.

Quando se trata de cargos de liderança, as mulheres ocupam 25% deles dentro dessas empresas. Quanto mais alta a posição, menor a participação das mulheres. Para os cargos do mais alto nível nas corporações, apenas 15% das empresas possuem uma mulher no topo, segundo a Grant Thornton.

Para Mara, da LHH, apesar da evolução da liderança feminina, ela ainda caminha a passos curtos. “O número de mulheres na liderança vem crescendo de maneira tão lenta que às vezes passam-se muitos anos para mexer um ponto percentual”, diz.

‘Lidar com homens é diferente’

A empresária Liana Pandin, de 33 anos, é líder de uma equipe de nove pessoas no Ateliê de Calças, das quais sete são mulheres e dois, homens. Ela sente que seu relacionamento com as funcionárias é diferente do que tem com os empregados do sexo masculino.

Nos encontros de feedback, que ela promove a cada três meses, Liana desenvolveu uma abordagem própria para os homens.

“A forma de lidar com os homens é diferente. Enquanto as mulheres têm uma visão mais multitarefas, eles encaram as coisas de forma mais pontual, e aprendi a lidar com isso”, diz.

A empresária diz que nunca teve dificuldade na carreira por ser mulher, mesmo antes de abrir seu negócio, quando trabalhou no mercado financeiro, em ambientes prioritariamente masculinos, mas personalizou a abordagem para conquistar a confiança dos subordinados.

“Hoje eu vejo a importância de minha primeira chefe ter sido uma mulher, porque acho que fez diferença para mim. Mas sempre fui desafiada como pessoa, tanto por homens quanto mulheres.”

Exemplo feminino

Segundo a diretora de Inovação, Marketing e Novos Negócios da Grant Thornton, Carolina de Oliveira, uma pesquisa da empresa mostra que o exemplo feminino é importante para incentivar a ascensão de mais mulheres a cargos de chefia.

“Mulheres que possuem outras mulheres como chefes têm mais chances de avançar na carreira. Se eu sou uma analista, a chance de ser promovida a gerente sobe de 32% para 61% se a liderança é feminina”, explica.

Autoconfiança

Os especialistas em carreira indicam que a autoconfiança das próprias mulheres no ambiente profissional, geralmente mais baixa que a dos homens, também acaba se tornando um empecilho para a ascensão de muitas delas.

Segundo Mara, da LHH, há uma quantidade considerável de mulheres com ambição de liderança, mesmo que demonstrem menos que os homens. “Isso tem que ser desenvolvido na relação das próprias mulheres com elas mesmas.”

Para a fundadora da consultoria de carreira Cia de Talentos, Sofia Esteves, o desconforto com a liderança feminina pode ser reforçado pela própria insegurança da líder em ser rejeitada pelo fato de ser mulher. “Se ela tem empatia e sabe quebrar resistências, vai conseguir romper essa barreira.”

A participação das mulheres em processos de recrutamento e seleção para a alta direção voltou a subir em 2018, após dois anos de queda, de acordo com uma pesquisa da Page Executive. Houve 21% de participação feminina nessas dinâmicas, ante 14% em 2017 e 13% em 2016, mostrou o estudo.

Para Carolina, a maior presença de debates sobre equidade de gênero nas empresas e questões salariais tem gerado resultados e tem aumentado a consciência da importância de mais mulheres em cargos mais altos.

Exemplo feminino

Carolina, da Grant Thornton, recomenda que as mulheres que aspiram evoluir de carreira em empresas com culturas não muito inclusivas devem criar redes internas com outras mulheres para superar essa resistência.

“É muito importante que as mulheres se apoiem e deixem claros seus objetivos, suas aspirações de liderança”, diz.

Sofia Esteves, da Cia de Talentos, diz que a mudança na forma como a liderança é vista nas empresas hoje favorece as mulheres bem mais que antes.

“Diferente do passado, quando a liderança era respeitada pelo crachá de líder ou pelo conhecimento técnico, hoje a liderança só acontece quando se tem admiração, quando se cuida das pessoas e escuta seus colaboradores. O perfil de liderança mudou muito, mas ainda existem resistências”, diz Sofia.

Segundo ela, hoje os homens passaram a ser mais cobrados por características como sensibilidade, empatia e leitura organizacional, habilidades mais atribuídas ao estereótipo feminino, motivo pelo qual também aumentou o número de mulheres em setores tipicamente masculinos, como bancos e ambientes fabris.

“Hoje o homem está sendo muito mais exigido a mudar seu comportamento e ter características mais atribuídas às mulheres”, afirma.

Para Sofia, as mulheres que se sentiram discriminadas por seu gênero não devem escolher o caminho da vitimização. “As mulheres que se tornaram líderes geralmente nem percebem que sofreram discriminação. Elas são proativas e não têm medo de se expor e acabam avançando”, diz.

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