Ela passou 2 anos presa injustamente, mas reconquistou a liberdade

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Por: redação

Elle B Mambetov lançou sua coleção em plena pandemia e se prepara para abrir sua loja em algumas semanas

É preciso dizer de antemão que a história da designer Elle B Mambetov tem um final feliz. Sem o spoiler, ou mesmo com o spoiler, acompanhar o que ela viveu é como pensar em um roteiro de filme de terror. Não é à toa que Netflix já tenha manifestado interesse em transformar seu livro A6347DW: American Captive em filme.

O pesadelo de Elle começou como muitos sonhos, quando saiu dos Estados Unidos para Europa, com o plano de criar sua própria marca de moda. Depois de um estágio na China, de enfrentar desafios e conhecer novas culturas, ela chegou a Londres, em 2006. Lá, com o apoio do British Fashion Council, a designer estava dando os passos para seu próprio negócio e pensava ficar na Inglaterra o resto de sua vida. Tudo mudou de uma hora para outra. Em meio a um término difícil com o namorado, um amigo de mais de um ano deu apoio psicológico em um momento de dor. Tanto apoio, inclusive, que se ofereceu para ajudar na parte administrativa de seus negócios. Quando se mora longe de casa, longe da família, toda amizade pode ser intensa. Com o convívio de mais de um ano, nunca ocorreu a Elle que tivesse que desconfiar de alguma coisa errada. Porém, não demorou muito para Elle descobrir que sua identidade tinha sido roubada e usada para fraudar documentos. O ‘amigo’, com quem contava para passar os dias e chorar mágoas, era um golpista que não apenas roubou seu dinheiro, mas também sujou seu nome. Elle foi à polícia para denunciá-lo e teve a garantia de que ele seria preso. Quatro meses depois recebeu a visita de detetives à sua porta. Foi levada para a delegacia para depoimento, mas não como vítima e sim como fraudadora. O verdadeiro criminoso estava foragido e Elle foi presa e condenada à prisão, mesmo constando como vítima do golpe. Surreal, inacreditável e verdadeiro. Ela só saiu da prisão dois anos depois, sem grande explicações ou pedidos de desculpa. O verdadeiro criminoso segue em liberdade e ela recomeçou sua vida nos Estados Unidos. “Eu pensava em suicídio todos os dias [por dois anos]. Havia dias que tinha esperança, e muitos onde só pensava em morte. Apenas porque não tenho tolerância à dor que não descobri uma forma de suicídio”, ela conta hoje com calma, mas firmeza.

Casada e recém-convertida ao islamismo, Elle conversou com CLAUDIA e relembrou momentos dolorosos e recentes de sua vida.

Como começou seu envolvimento com a moda?

Tive uma formação “normal”. Eu nasci e cresci no Texas, criada com dois irmãos mais novos apenas pela minha mãe, que é professora e nunca nos deu a opção de não ir para a faculdade e estudar. Ela nos educou frequentando a igreja todo domingo, com uma base sólida, e fui para a Universidade do Kansas para estudar Administração e Estudos Religiosos. Quando tinha 7 anos, pedi uma máquina de costura de presente e a partir daí passei a criar peças para mim, para minhas bonecas, para os cachorros. Quando fui para a faculdade fui estudar para aprender a administrar meu próprio negócio.

E antes da Europa você viveu na China, como foi isso?

Eu queria aprender todos os detalhes do negócio e por isso fiz um estágio lá.  Fiz um treinamento muito interessante e amei. Fui muito feliz lá e era um dos meus lugares favoritos no mundo, onde conheci pessoas de todos os países.

E de lá, foi para Londres…

Exato, a indústria de moda londrina é incrível para cultivar novos talentos. Eles encorajam autenticidade e criatividade, eu amava. Eu sentia que iria viver lá o resto da minha vida (se emociona) até que aconteceu o que aconteceu.

E como foi o golpe?

Estava em Londres há poucos anos e passei por um término de namoro que me consumiu muito. Nessa época, um amigo que conhecia há um ano e meio e era muito presente me deu muito apoio. Saíamos juntos, eu estava sempre com ele e a namorada dele, e ele se ofereceu para ajudar com o meu trabalho. Estava em uma fase onde estava com a cabeça em vários lugares, então toda ajuda seria bem-vinda. Ele me auxiliava com os documentos, com as questões burocráticas e apenas depois descobri que ele estava usando meus dados para fraude. Foi quando percebi que ele tinha se aproximado já para me dar um golpe e coletar todo tipo de informação sobre mim. Foi uma ação calculada.

Uma das partes dolorosas do processo é quando a vítima tem que explicar às pessoas a razão pela qual foi enganada, como se a culpa fosse dela

 

Sim. Uma pessoa me disse: “você é uma mulher inteligente, deveria ter percebido”. É difícil para quem não viveu fora entender que quando você está no exterior, você está sozinha, sem sua família. E as pessoas com quem você faz amizade, se relaciona, se transformam em sua família. Eu estava completamente sozinha. Quando você conhece alguém, não contrata um detetive para levantar os antecedentes. Ele era meu amigo há quase dois anos, eu saía com ele, com a namorada dele. Ele se ofereceu para ajudar e você não pede a um amigo o CPF e documentos para confirmar se ele é quem diz ser.

Quando descobriu, você o confrontou ou foi direto à polícia?

Eu fiquei chocada em tantas maneiras diferentes… mas fui diretamente à polícia denunciá-lo. Me disseram que ele seria preso, porque havia muitas outras vítimas como eu, infelizmente. A princípio fiquei receosa, mas me garantiram que ficaria tudo bem e que eu cortasse qualquer comunicação com ele. Eu lavei as minhas mãos e não queria saber dele de qualquer maneira. Recebi um e-mail me comunicando que ele tinha sido preso e eu pensei que esse fosse o fim da história. Três meses depois bateram à minha porta…

A polícia?

Sim. Como meu nome era o que estava nos documentos, tinham que me prender por suspeita de fraude. Eu tentei explicar: “como, se estou listada como uma das vítimas do golpe? Por que eu iria destruir minha carreira?” Porque foi exatamente o que aconteceu. Me levaram sem nenhum mandado de busca e apreensão e não conseguia entender como aquilo estava acontecendo. De repente eu era um estereótipo.  Nada do que eu tivesse antes – carreira, currículo – valia. Eu era apenas uma negra “perigosa e louca”.  Os amigos que eu achava que tinha, que me elogiavam, desapareceram como baratas.

Mas te levaram mesmo assim?

Disseram que seria por apenas algumas horas. Não voltei por dois anos.

Mas como, se você mesma foi a pessoa que o denunciou por fraude?

Eu não sabia que ele tinha saído da prisão depois de pagar fiança e desaparecido. Aliás, apenas um ano depois de estar presa, eu soube que a polícia não sabia onde ele estava e até hoje não o localizou (faz uma pausa emocionada). Nada em minha vida me preparou para aquele momento, jamais teria imaginado passar por algo assim. Eu não era mais a designer de moda, mas uma negra criminosa e, como disseram, perigosa. Como eu seria perigosa? Sou boa com uma agulha, mas isso é o máximo do perigo que ofereço.

Mas te condenaram mesmo assim?

O defensor público tentou argumentar que estavam com meu passaporte e eu tinha retornado dos Estados Unidos há pouco. Se eu era essa golpista eu nem teria retornado! Mas não adiantou e o juiz me condenou à prisão de segurança máxima. Eu queria morrer. Eu quis me matar.  Escrevi uma carta para minha mãe explicando meu suicídio. Para mim, se não me matasse antes, seria morta no presídio. Não fui feita para sobreviver a esse cenário, seria violentada e agredida o tempo todo.

E então te levaram…

Quando me colocaram na van e foram saindo da cidade, você vê sua vida sendo literalmente tirada de você. E foi bizarro porque quando cheguei na prisão me cumprimentaram alegremente “é sua primeira vez?” e eu só conseguia pensar “não sabia que esse era um lugar que as pessoas gostariam de visitar frequentemente”(risos) (pausa). Eu estava apavorada. É como um filme. Na primeira cela tinha mulheres drogadas, passando mal, uma louca falando com ela mesma. A essa altura só queria ir para a minha cela e chorar, porque eu nunca choro em público, por isso pareço estar sempre firme.

E como foi quando ficou sozinha?

Chorei como se tivesse morrido. Eu procurei e encontrei uma espécie de corda, mas não era longa o suficiente para me enforcar (longa pausa emocionada).

E a convivência na prisão? Foram 2 anos…

Eu era a pessoa mais odiada de toda prisão e não fiz amigas. Eu comia no meu quarto, sozinha. Queriam que eu me socializasse mas que assunto eu teria com com uma terrorista ou com a mulher que estava presa por ter violentado a irmãzinha do namorado? Essas eram as pessoas que estavam ali. Reclamavam que eu me achava superior mas eu não sei me integrar em um universo de onde não faço parte. As pessoas não estão ali para melhorar, estão apenas se conectando para cometer mais crimes quando saírem. Não tinha amigos criminosos antes, por que teria agora?
As horas pareciam infinitas e trabalhei para me manter ocupada porque em absolutamente todos os dias eu pensava em suicídio. Só não consegui descobrir um meio porque não lido bem com dor.

Como foi liberada?

Foi muito estranho. Um dia vieram e me perguntaram se assinaria um documento para ser deportada. Poderia escolher qualquer lugar nos Estados Unidos para ir. Foi apenas isso. Depois de dois anos, uma pessoa me dar um papel que poderia me tirar dali? Claro que aceitei assinar. E até o avião decolar fiquei com a impressão de que iam me mandar de volta para a prisão. Quando o avião estava no ar foi quando pensei, estou livre.

E suas coisas, que estavam no seu apartamento?

Destruíram tudo. E depois de dois anos presa, tudo que você quer são suas roupas, sua maquiagem e não sobrou nada. Coisas de marca, tudo. E tiraram fotos como comprovante da destruição.

O registro da destruição das roupas e pertences de Elle Arquivo Pessoal/Reprodução

Como foi recomeçar a vida fora da prisão?

Eu sofri síndrome pós-traumática e tinha medo de andar sozinha nas ruas, com igual medo da polícia. Ainda estou lidando com esses medos, mas meu marido tem me ajudado e me encorajado a voltar a criar.

Como se conheceram?

Quando vim para a Califórnia ele foi o primeiro homem que conheci. Eu lembro de pensar “não se apaixone pela primeira pessoa que conhecer quando sair da prisão”, mas foi o que aconteceu (risos). Eu aluguei um apartamento e ele era o proprietário, foi assim que nos conhecemos e nos apaixonamos. Ele vem da Ucrânia, é muçulmano e depois de conhecê-lo e sua família, decidi me converter ao islamismo também. Eu perdi a fé na prisão e quando saí, com ele, reencontrei o que faz sentido para mim.

E como está a questão da sua documentação e processo na justiça?

Lento ainda, um dia atrás do outro.

Quando decidiu retomar a carreira de designer?

Meu marido me incentivou. A prisão tirou tudo de mim, minha criatividade também. Mas aos poucos fui retomando a força e essa coleção (lançada em maio), é o primeiro passo. Em julho vamos abrir a loja em Beverly Hills, no Beverly Center.
Não me vejo corajosa, mas como se tivesse sofrido uma amnésia (risos).

A coleção reflete sua fé?

Sim, é o que chamam de modest fashion, que é uma linha de roupas mais conservadoras, com mangas e sem decotes. Quando me converti, percebi que não tinha o hábito de me vestir como o islamismo prefere então percebi que havia uma oportunidade de criar uma marca com peças que eu compraria e vestiria. Foi uma viagem poder ver como tudo ficaria junto: tecidos, cores, cortes. Há roupas justas, bem cortadas e que também refletem a minha transformação. Mas não são roupas apenas para muçulmanas e sim para quem quer estar bem e confortável. E linda! (risos)

E agora, feliz, livre e com uma nova vida à sua frente. Como você está?

Feliz com o retorno que tive sobre a coleção, estava muito ansiosa e agora estou nas nuvens com a abertura da loja. Vendemos no site para o mundo todo, então estou muito animada.

Você escreveu um livro sobre seu pesadelo, alguma chance de virar filme?

A PBS (rede pública americana) fez um documentário sobre mim que ao ar no início do próximo ano. Já fui abordada pelos direitos do livro, um produtor queria levar para a Netflix, mas ainda estamos em discussão e nada está fechado. Eventualmente pode ser o caso.No momento, só penso mesmo na minha nova coleção (risos).

Leia mais em: https://claudia.abril.com.br/estilo-de-vida/ela-passou-2-anos-presa-injustamente-mas-reconquistou-a-liberdade/

 

 

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