‘O preconceito está presente na carreira da mulher e precisamos falar sobre isso’, diz CEO da Paypal

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Por Taís Laporta, G1

Quando engravidou pela primeira vez, Paula Paschoal chegou a questionar se daria conta da própria carreira. Um pensamento não saía da sua cabeça: como equilibrar tanta coisa ao mesmo tempo?

Hoje mãe de duas filhas e aos 37 anos, ela se vê como CEO da Paypal Brasil, após ter sido promovida com sete anos na empresa. Paula diz que, ao contrário do que imaginava, a gravidez ajudou seu progresso profissional, e atribui parte de sua ascensão como líder à maternidade. Mas reconhece o papel da cultura favorável à diversidade na empresa onde trabalha.

Nascida em Araraquara, no interior paulista, Paula iniciou a carreira na área de hotelaria, mudou de ramo e passou por diversas empresas de destaque até chegar ao comando da operação brasileira da Paypal, uma fintech (empresa de tecnologia voltada para o mercado financeiro) declaradamente aberta ao tema da diversidade.

No topo do braço brasileiro de uma multinacional, Paula admite que o preconceito é uma condição presente na carreira feminina e acredita que quem discorda deve sofrer de desatenção.

O ambiente nas empresas de tecnologia é, em grande parte, masculino. Como anda a questão da liderança feminina no setor?

É majoritariamente masculino, mas tem que deixar de ser. As soft skills passam a ter uma importância cada vez maior no dia a dia de quem lida com tecnologia. Essa sensibilidade, paciência, esse cuidado da mulher no dia a dia deve ser valorizado cada vez mais. 17% são mulheres nas turmas de faculdades de cursos técnicos. Cada vez mais a gente tem que incentivar essas meninas desde pequenas a se interessarem. Não faz sentido criar nossas filhas para brincar somente de boneca, tem que ter oportunidade de experimentar um videogame, algo mais ligado a tecnologia desde cedo. O Paypal trabalha nisso em alguns países, temos programas para que crianças de 8 a 12 anos possam ter a experiência de como é essa vida em fintech, isso nos faz incentivar a sociedade a buscar isso. Hoje no Brasil é com muito orgulho que digo que 54% da nossa liderança é feminina.

A sua evolução na carreira foi natural após engravidar de duas filhas?

Eu trabalho em uma empresa muito aberta à inclusão e que respeita a diversidade, e mesmo assim foi muito difícil. Eu falo muito sobre isso e me esforço para que as mulheres se sintam confortáveis e que as empresas aceitem bem e entendam que a maternidade faz muito bem para as mulheres, não só mulheres como mulheres, mas mulheres como executivas, gestoras e trabalhadoras em geral. Isso nos torna muito mais eficientes e completas.

Você acha que a maternidade ajudou sua carreira?

Foi decisivo. Eu falo para quem quiser ouvir que, se eu não tivesse minhas duas filhas, eu não teria o cargo que eu teria hoje. Me ensinou a lidar com pessoas, me ensinou a ser mais eficiente, me ensinou muitas coisas em pouquíssimo tempo. Eu fiquei bastante receosa, apesar de trabalhar em uma empresa super aberta, que incentiva a diversidade. Acho que tem algo tão forte na sociedade de que quando a mulher engravida impacta negativamente na sua carreira… Mesmo assim, eu tive por muitos anos um chefe que sempre me incentivou muito. Com todo esse cenário super favorável, quando eu engravidei foi muito difícil, foi uma barreira minha, eu tinha a preocupação de como isso ia atrapalhar minha carreira. Como eu ia equilibrar tantas coisas ao mesmo tempo? Mas eu contei e foi algo tão bem recebido… Quando eu tive, foi tão acolhedor que eu tive as duas (filhas) em pouquíssimo tempo. Tive, voltei e em menos de um ano saí para a licença maternidade de novo. As pessoas precisam aprender a enxergar e acolher essas mulheres e é preciso falar mais sobre isso.

O que falta para as empresas estimularem maior participação das mulheres em cargos de chefia?

Faltam exemplos. Não só nas empresas, mas na sociedade como um todo. Exemplos de que a mulher não precisa ser a mulher-maravilha para dar conta de tudo, mas que a gente consegue equilibrar uma vida executiva e vida de mãe. Eu sinto falta, e por isso tenho me esforçado para falar sobre isso, de trazer exemplos para essas meninas que muitas vezes chegam num cargo de gerência média e acham que ali já está bom, que a partir dali elas não conseguem mais serem mães, esposas ou o que elas quiserem porque não vão dar conta do trabalho, e a gente dá conta de tudo.

Você sentiu que o fato de ser mulher já atrapalhou de alguma forma sua evolução na carreira?

Eu sempre respondi essa pergunta até muito pouco tempo atrás falando que não. Que eu tenho um jeito muito duro e sempre fui muito focada, que tenho base para chegar aonde eu quiser sempre, sendo mulher ou sendo homem — eu sempre ignorei o fato de ser mulher. Mas eu ouvi isso recentemente da Denise, uma executiva sênior do Itaú, que a mulher que diz que nunca sofreu preconceito no ambiente corporativo é muito desatenta, ela é muito desligada — e é bem por aí. Quando a gente começa a discutir mais o assunto, a conhecer melhor o que é preconceito e quais as situações de tratamento diferenciado, sim, a gente sofreu muito preconceito e sofre até hoje. Eu, muitas vezes num olhar mais atento, pelo fato de estar mais envolvida nesse assunto, percebo corriqueiramente mulheres sendo interrompidas por homens em reuniões ou sendo desrespeitadas em situações como “deixa ela falar, ela é bonita”. Infelizmente, a mulher ainda sofre [preconceito] no trabalho e precisamos falar sobre isso. Não precisa ser ativista como profissão para ter a responsabilidade de mudar esse preconceito.

Uma pesquisa da Ipsos diz que no Brasil, cerca de 27% dos funcionários se sentem incomodados por ter uma chefe mulher. Você percebe que isso acontece?

Não conheço a pesquisa, mas sabendo que tem o preconceito tão enraizado na nossa sociedade, isso não me assusta. Eu tenho a felicidade de trabalhar com um time aqui há muitos anos, nossa taxa de troca de funcionários é muito baixa, as pessoas que estão comigo estão há muitos anos, então acho que foram crescendo junto e aprendendo a respeitar. Eu não saberia lidar com esse tipo de preconceito e com nenhum tipo de preconceito aqui dentro.

Você acredita que ainda se espera que a mulher tenha características masculinas para evoluir na carreira?

Cada vez mais a gente consegue ser o que somos e não o que precisaríamos ser. Eu tive recentemente uma conversa com a Luiza Helena [Trajano, fundadora do Magazine Luiza], ela diz que é caipira e não mudou o jeito dela e assim liderou uma das empresas mais valiosas — se não for a mais valiosa — do varejo do Brasil. Cada vez mais, a sociedade abre espaço para sermos únicas. Que cada uma traga o que tem de melhor e que se respeite cada vez mais nossos soft skills em ambientes predominantemente masculinos.

A maior presença de mulheres nas empresas já é uma realidade?

Eu percebo uma constante evolução. A gente ainda está muito longe. Eu trabalho num mundo onde a gente é minoria, a gente faz parte dessa categoria de startups ou fintechs, empresas que estão surgindo no mercado, mas tenho a oportunidade de trabalhar em parceria com algumas empresas onde a participação da mulher ainda é irrelevante. Empresas de mineração, petroquímica, [e] indústria pesada ainda têm um desafio muito grande de posicionar a mulher. Eu participo de um grupo que discute melhores práticas de como a Gerdau traz pra dentro de casa maior diversidade não só de gênero, mas de raça, religião, de formação. […] Falar de diversidade e do respeito à mulher ainda é uma realidade muito distante das grandes indústrias, e acho que ainda temos o papel como comunicadores para criar esse ambiente favorável à diversidade.

Como é a política de diversidade na empresa?

A gente leva em consideração a diversidade, não só no processo de seleção mas ao longo de toda a vida, não só para a mulher, mas o negro ou a pessoa com deficiência. A diversidade é convidar para a festa, inclusão é chamar para dançar. Aqui no Brasil a diversidade é um fato, a inclusão é uma escolha. Escolhemos ser uma empresa inclusiva. Desde o processo de seleção, a gente se força a trazer pessoas, sair da nossa zona de conforto e buscar pessoas diferentes, e aqui dentro fazer com que elas se sintam acolhidos. Desde princípios básicos, que ainda não são tão básicos, como o pagamento igual independentemente do gênero, até situações em que eu favoreço a comunicação. Temos grupos de afinidades para mulheres, LGBTs, diversidade de raça, para que aqui dentro as pessoas se sintam ouvidas e proponham melhorias.

O que você diria para as mulheres que aspiram evoluir na carreira mas têm receio de engravidar ou sofrer algum tipo de preconceito?

Eu diria que não existe super mulher. Encontre o seu jeito, mas parta do princípio de que tudo é possível, ser motorista de caminhão, astronauta, CEO de uma multinacional. Falta a nós mulheres acreditarmos mais no nosso potencial. Se candidatem àquela vaga, não esperem ter todos os pré-requisitos, deem a cara e vamos ser mais ousadas e agressivas às oportunidades.

Fonte:https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2019/07/02/o-preconceito-esta-presente-na-carreira-da-mulher-e-precisamos-falar-sobre-isso-diz-ceo-da-paypal.ghtml

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