BONS VENTOS A LEVAM – Com kitesurfe e ioga online, Claudia Abreu driblou riscos da pandemia e pedidos de boicote ao Mundo Verde

postado em: Sem categoria | 0

De: CLÁUDIA DE CASTRO LIMA

Quem vê Claudia Abreu, a CEO da rede varejista Mundo Verde, elegante em suas saias e blusas bem cortadas nas entrevistas ou nos eventos da empresa – ou, hoje, nas lives – não imagina que ela queria mesmo era estar de biquíni e chinelo de dedo. “É minha roupa preferida. Só não fiquei vestida assim durante a pandemia toda porque não dava para fazer videoconferência”, ela ri.

Kitesurfista apaixonada pelo mar, Claudia se considera uma “paulioca, mistura de paulista com carioca”, ela explica, para contar sobre sua paixão pelo lifestyle do Rio de Janeiro, onde morou por vários anos, e o que ela considera um equívoco geográfico em sua certidão de nascimento. “Não me enquadro muito no esquema de São Paulo. Nasci no lugar errado.”

Claudia, que dedicou sua carreira ao marketing e tem passagens por empresas como Microsoft, Kiehl’s (do grupo L’oreal) e Kipling, assumiu o Mundo Verde (eles tratam a rede no masculino) em setembro do ano passado. Quando começava a colocar seus planos em prática, a pandemia estremeceu tudo.

À frente da rede de 400 lojas de produtos naturais e orgânicos, ela temia que seus franqueados não aguentassem o baque e perdessem seus negócios. “Passei uma semana sem comer”, conta. “Me sinto responsável pelos cerca de 10 mil empregos que o Mundo Verde direta ou indiretamente mantêm.”

No meio disso tudo, as redes sociais foram infestadas de pessoas pedindo o boicote à empresa por causa da passagem polêmica do maior acionista da rede, Carlos Wizard, como conselheiro do Ministério da Saúde. Ela e a equipe agiram rápido em relação às duas crises: traçaram um plano para apoiar os franqueados e emitiram um comunicado público explicando que Wizard não tem nada a ver com a gestão da rede.

Muita ioga online, corrida com máscara e kitesurfe “com toda a segurança” depois, Claudia hoje consegue respirar com mais alívio ao ver que o volume de lojas fechadas durante a pandemia não foi expressivo. “Porque o nosso mercado, de alimentação, tende a crescer”, diz.

3 dicas para mulheres que querem ser chefes

O trabalho de um líder é ser um degrau para a equipe. Ouça, portanto, quem está a sua frente e tente entendê-lo

Sobre empatia
Seja transparente com sua equipe ou colegas de trabalho, mesmo quando o assunto que você tem a tratar é difícil

 

Sobre a estratégia que deu certo na pandemia

Have fun! É preciso aprender a se divertir fazendo o trabalho. Assim, conseguimos criar relacionamentos verdadeiros

Sobre network

 

Você assumiu a rede Mundo Verde no fim de 2019 com 400 lojas e R$ 700 milhões de faturamento. E então veio a pandemia. Como isso a abalou?

No primeiro final de semana da quarentena tinha franqueado me ligando às 6h da manhã, desesperado, dizendo que ia quebrar, demitir funcionários. A maioria são pequenos empresários, que não têm fôlego financeiro gigantesco. E ter uma loja fechada causa um impacto muito grande, porque o negócio é o sustento de uma família. Fiquei muito angustiada pois me sinto responsável pelos empregos que o Mundo Verde gera. Se pensarmos, dentro da rede são entre 1.200 e 1.500 pessoas. Pensando que 75% dos fornecedores são pequenas e microindústrias, estamos falando de mais de 10 mil empregos diretos e indiretos. Fiquei aflita com o tamanho da responsabilidade. Passei uma semana sem comer.

E como afetou seu negócio e sua equipe?

Tinha a impressão de que todo mundo esperava que eu tivesse uma solução mágica. Mas no fim da primeira semana pensei: agora para com esse troço de ficar sofrendo e vamos resolver. E a primeira coisa do “vamos resolver” foi dizer para a equipe que eu não sabia como resolver, mas que a gente descobriria junto – isso tendo em mente que não tinha uma resposta só e que tinha coisa que funcionaria e coisa que não.

Nós, mulheres, temos facilidade de lidar com o fato de não termos sempre todas as respostas. E acho que essa postura fez muita diferença.

Em última instância, todas as empresas tiveram que virar startups agora. A gente vai ter que cultivar muito esse mindset de conceituar um modelo, testar, ver o que funciona e, com o que não funciona, medir, ajustar e ir para o próximo. Se der errado, beleza, para tudo. Acho que esse modelo veio para ficar.

Lucas Seixas/UOL

 

Você falou que ficou muito angustiada. Como cuidou de sua saúde mental?

Diminuí muito a minha exposição à televisão, porque ficar assistindo tanta coisa [sobre a pandemia] estava me fazendo mal. Passei a me informar com fontes consistentes, lendo o suficiente para que eu tomasse decisões corretas. E sempre fiz muito esporte. Faço kitesurfe, corrida e ioga. No começo não podia ir para o mar. Correr na rua só pode faz pouco tempo e de máscara – tenho feito isso, apesar de ser muito aflitivo. Fui então para a ioga online. É a melhor coisa do mundo? Não, mas é o momento que eu tirava para me equilibrar. E sou supernatureba na questão de alimentação, o que ajuda. Não acredito em coincidência, por isso fui trabalhar no Mundo Verde.

Conseguiu voltar ao kitesurfe?

Consegui. Sou muito responsável, vou com toda a segurança, só ando de máscara, mas preciso fazer kitesurfe como válvula de escape. O kite para mim foi uma megaconquista, porque demorei muito mais do que qualquer pessoa que conheço para aprender. Foi um trabalho de resiliência. Não é um esporte trivial: tem mar, vento, direção da onda, outros kitesurfistas. Logo que comecei, sofri um acidente horrível. O professor achou que eu estava muito ambientada e me largou com kite e prancha no Nordeste. Entrou uma rajada e eu segurei a barra, só que isso é tipo pisar no acelerador.

O kite me arremessou. Bati a cabeça e tiraram meu capacete por cima, quebrado, igual casca de ovo. Tive convulsão na praia, foi horroroso. Daí todo mundo achou que eu desistiria. E eu: agora vou aprender esse troço nem que leve 20 anos. Hoje é algo que me deixa megafeliz, eu amo.

Você passou por empresa de tecnologia, de beleza e agora está no varejo. Planejou sua carreira ou as coisas foram acontecendo?

Acho que dei uma sorte danada. Tem um discurso famoso do Steve Jobs, o do “connecting the dots” [ligando os pontos] que, quando olho para trás, sinto que me encaixo. Coisas que foram acontecendo sem tanto planejamento acabaram me ajudando a trilhar um caminho muito estruturado. Na Microsoft, onde comecei a trabalhar com varejo, coisas importantes aconteceram no meu último ano. Primeiro fui promovida. Depois, ganhei o prêmio MVP [o Most Valuable Professional] ou seja, fui eleita a melhor profissional de marketing do mundo, tipo luzes e glamour total. Na época, recebi uma newsletter do Marangoni, uma escola de moda italiana, sobre um curso em Paris. Quando li a sinopse, nossa, era muito o que eu queria fazer. Só que descobri que estava grávida da minha primeira filha, a Luli.

Isso ajudou ou atrapalhou na decisão?

Não sei se a gravidez é assim para todas as mulheres, mas para mim bateu aquele senso de urgência de tempo: se não fizer isso agora, só vou fazer quando minha filha tiver 15 anos. Depois de refletir muito, resolvi pedir demissão da Microsoft.

Mas fiz isso pensando: como vou explicar para o RH que uma pessoa que acabou de ser promovida, ganhou prêmio e está grávida vai pedir demissão?

Amo a Microsoft até hoje, fui muito feliz lá e não foi fácil sair, mas sabia que tinha que fazer aquilo. Trabalhei depois na L’Oréal, Estée Lauder, Kipling e brinco que já vendi notebook, creme, perfume, mochila de criança e agora vendo alimentação saudável. No fundo, é tudo igual, as ferramentas que você usa são as mesmas.

Você teve modelos de liderança feminina para se inspirar?

Tive algumas boas inspirações dentro e fora de casa. Minha avó materna estudou até o quarto ano, porque naquela época as mulheres não estudavam, enquanto meu avô era dentista e falava não sei quantas línguas. Ela tinha pânico que eu dependesse de alguém. Então desde novinha eu a ouvia falando: “Estuda bastante, minha filha, para não precisar nunca de ninguém”. Isso é legal porque, como mulher, tenho a escolha de estar com alguém, mas não preciso estar com alguém. E, ao longo da vida profissional, algumas chefes mulheres muito bacanas me inspiraram, cada uma com um tipo de talento complementar. Quando temos mulheres que apoiam outras, cria-se uma corrente do bem. Percebi também que existe uma dúvida nas empresas sobre como promover mulheres. E esse é um assunto que precisa ser colocado em pauta. Ainda tem pouca executiva em C-level. Em boards, menos ainda.

Lucas Seixas/UOL

Você faz parte de um board, o da BRSports. Pouco mais de 10% dos conselhos de empresas no país têm mulheres em suas cadeiras. Você se considera exceção?

Quando tive filho, decidi: já que não consigo mudar o mundo inteiro, vou fazer alguma coisa para influenciar esse pedacinho que estou. Essa questão de liderança feminina é algo em que tenho trabalhado bastante: participo de grupos como o Elevate, Mulheres do Varejo e Girls Revolution. Falando de conselhos especificamente, existe uma tendência de mudança porque as empresas perceberam que é importante, do ponto de vista de negócios, ter mulheres neles. Quando a Goldman Sachs fala que não vai mais avaliar empresas que não tenham mulheres, não é porque eles são legais. É porque é um banco, que vê retorno. Ele carrega essa bandeira porque impacta em resultado. Se a gente pensar que 80% dos shoppers são mulheres e esses 20% que não são são fortemente influenciados por elas, então não ter uma mulher dentro do conselho é deixar de ter esse olhar em relação ao seu cliente.

Você tem cargos de liderança desde muito jovem. Chegou a se cobrar por apresentar mais resultados pelo fato de ser mulher?

Já e é muito ruim constatar isso. Já aconteceu de eu estar em reuniões com meu time e os interlocutores não se dirigirem a mim, e sim aos homens da minha equipe – sendo que eu era a diretora. Isso quando não tem aquele cidadão que acha que pode fazer alguma graça – de fato, é o que mais irrita. Uma vez que um cliente falou: ‘Não é que você é inteligente mesmo sendo bonita?’ Eu não me acho nem muito inteligente nem tão bonita, mas o ponto é que tem esse estereótipo em cima das mulheres pelo qual os homens não passam. Hoje esse tipo de coisa acontece menos, mas ainda acontece, A diferença é que as pessoas estão muito mais ligadas no assunto. Só que eu gostaria de ter feito diferente. Precisei endurecer muito no começo para enfrentar essas coisas, e daí você perde justamente a beleza do lado feminino, que é esse negócio de acolher, trabalhar em equipe, ouvir, porque a postura que esperam de você é uma postura masculina.

Você teve que endurecer e perdeu a ternura. Percebe que isso foi mudando quando?

Acho que ter virado mãe me colocou muito em contato com meu lado feminino. Até por isso talvez acabei indo trabalhar em empresas mais femininas. Sua carreira acompanha o que está acontecendo na vida pessoal. Mas também tem a ver com o cabelo branco, porque depois de certo tempo você já sabe o que entrega, o que não entrega e não precisa mais provar nada para ninguém. Esse autoconhecimento é importante, e isso você adquire com a maturidade. Outra coisa: nem todo mundo vai gostar de você, nem todas as empresas vão ser as empresas perfeitas para você trabalhar e ok, tá tudo bem, sabe?

Hoje tenho muito claro quais são meus gatilhos. Tem coisa que penso: ok, vou engolir esse sapo – porque algum sapo, em alguma instância, todo mundo engole -, mas desse outro ponto aqui não abro mão.

Teve algum dilema na hora de optar por ter filho?

Tive antes. Fiquei casada 10 anos antes de ter a Luli. Tinha uma dúvida grande se teria filhos ou não. Não me via sendo mãe, nunca tive nem boneca quando era criança. Minha decisão pela maternidade foi racional, porque bati os 35 anos e foi aquilo: vou ou não vou? E a decisão foi meio: se joga e vamos ver. Mas, de verdade, foi a melhor decisão que já tomei na vida. Meus filhos são meu melhor projeto mesmo. Além da Luli, que tem 11, tenho o Pepê, de 9. São duas crianças muito f***, desculpa o termo. São mil vezes melhores do que eu. Se posicionam, me cobram atitudes sustentáveis, aprendo com eles todos os dias.

E sou a mãe atípica que tem zero culpa. Esse peso não carrego. Eles sabem que adoro trabalhar e sou feliz trabalhando. Sempre os tratei como pessoas mesmo, então temos conversas que não são triviais.

O maior acionista do Mundo Verde, Carlos Wizard, teve uma participação que gerou polêmica como conselheiro do Ministério da Saúde. Muita gente foi às redes sociais para pedir boicote às empresas dele. Como vocês enfrentaram essa crise?

Tem alguns pontos importantes para eu ressaltar. Primeiro: o Carlos não faz parte da gestão da empresa. O Mundo Verde é do grupo Sforza, cujos donos são o private equity da família dele. Mas todas as empresas têm gestão independente porque precisam de executivos de mercado tocando o business. Qual é meu compromisso com a família? Entregar os números que devemos, mantendo a perenidade do negócio. Um segundo ponto é o ecossistema do Mundo Verde. Fiquei preocupada com essa questão das redes sociais porque estamos falando de mais de 10 mil famílias que dependem da empresa. E terceiro: temos que lembrar que a mídia social acaba criando heróis que não existiriam no mundo real. Muitas das reações dos haters me lembram o Dr. Jekyll e o Mr. Hyde que o Pateta fazia, sabe? Ao vivo, um lorde. Entrava no carro, virava um enlouquecido. Acho que a internet acaba promovendo um pouco esse tipo de comportamento e isso diz mais sobre quem fala do que sobre quem recebe. É importante que mesmo num momento de polarização saibamos respeitar a opinião do outro. E acho essencial nos posicionarmos, mas com o objetivo de criar algo a partir daquilo, de pensar na solução de um problema.

Vocês divulgaram um comunicado informando que Carlos Wizard não fazia parte da gestão da empresa. Foi delicado?

Foi delicadíssimo. Um fim de semana em que trabalhamos bastante, com emoção. Mas acho que, no fim, o ponto principal foi preservar a imagem da empresa – e não porque precisamos faturar e tal, mas porque tem muita gente que depende dela e a gente tem um propósito muito claro, não pode se desvirtuar. Sabemos por que o Mundo Verde está aqui, o que queremos fazer. O resto é distração. Na verdade, não posso fazer nenhum julgamento em relação a o que o Carlos acredita ou não. Mas ele tem coisas valorosas que ninguém pode questionar. O cara é bilionário e largou tudo para trás para ficar dois anos fazendo trabalho voluntário com refugiado venezuelano. Muita gente que criticou ele duvidou que faria isso. É fácil atacarmos ou criticarmos, mas acho que a ação vale mais que palavras. É importante avaliarmos a consistência da história da pessoa ao longo do tempo, porque é muito simples pegar algo pontual e crucificar a pessoa por aquilo. Temos que ser justos.

Fonte: https://www.uol.com.br/universa/reportagens-especiais/claudia-abreu-poderosa-mundo-verde/index.htm#end-card

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *